3.3.12

Uma releitura necessária para entender as transformações em Cuba

por Daniella Cambaúva e Breno Altman via opera mundi


Cuba acelera ajustes para combinar socialismo e mercado

Reformas lideradas por Raúl Castro buscam abrir novo ciclo de desenvolvimento
No mundo das estatísticas, Cuba até que vinha fazendo a lição de casa desde as mudanças adotadas em seguida ao colapso da União Soviética. Após perder 34% de seu PIB (Produto Interno Bruto) entre 1990 e 1993, o país tinha alcançado um crescimento médio de 4,5% entre 1994 e 1999. Pulou para 5,6% em 2000, retornou a 3% no ano seguinte e zerou em 2002. Voltou ao patamar de 3% entre 2003 e 2004. Acelerou para 8% em 2005, bateu o recorde com 9,5% em 2006, cresceu a 6,5% em 2007, escorregou para 4,3% um ano depois. Tragada pela crise mundial e três sucessivos furacões, Cuba capengou em uma média de 1,5% entre 2009 e 2010. Todos esses dados são do insuspeito CIA World Factbook.

Esses números áridos, sem rosto ou cor, fazem parte do diagnóstico que levou o presidente Raúl Castro a deslanchar, a partir de 2011, um dos mais ambiciosos programas de reformas desde a vitória da revolução cubana. No VI Congresso do Partido Comunista, em abril do ano passado, foi sacramentado o nome de atualização do modelo socialista às políticas de mudança então decididas. Apesar do conceito cauteloso, as medidas têm grandes objetivos. E indica um novo olhar sobre a história da economia cubana.
Agência Brasil

Alarcón: "precisamos entender qual o socialismo possível, capaz de trazer desenvolvimento e prosperidade"

“O socialismo não é a propriedade pública de todos os meios de produção”, afirma Ricardo Alarcón, presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular (parlamento cubano) e alto dirigente do Partido Comunista. “A luta política e nosso próprio voluntarismo conduziram a exageros no passado, que precisam ser retificados. Não podemos mais compreender o empreendedorismo privado, sob controle do Estado, apenas como uma concessão temporária. Essa atividade deve ter seu lugar em nosso modelo socialista.”

Alarcón se refere a um momento específico, quando o governo de Fidel Castro desatou, nos idos de 1968, a chamada “ofensiva revolucionária”. Por influência da experiência soviética e pelo apoio que parte dos pequenos empresários dava aos núcleos saudosos do antigo regime, praticamente toda a propriedade passou às mãos do Estado. Barbearias, cabeleireiros, restaurantes, bares, mercearias, oficinas de reparo: quase todos os setores foram encampados pelo poder público.

Os custos desse gigantismo estatal, aos quais se somavam verbas para fundar e manter o sistema de bem-estar social, um dos mais amplos do planeta, afetavam fortemente a capacidade de investimento na infraestrutura e no desenvolvimento das atividades econômicas. O modelo funcionou bem enquanto pode contar com a poupança externa representada pela União Soviética e os demais países socialistas. Entrou em colapso quando essa fonte de financiamento desapareceu. Ganhou uma sobrevida quando as relações com Venezuela, China, Rússia e Brasil repuseram parte dos recursos internacionais perdidos.

Sinal de alerta

Mas o fraco crescimento do triênio 2008-2010 acendeu a luz vermelha. “Sem aprofundarmos e acelerarmos as reformas iniciadas nos anos 1990, não teremos como resolver os problemas estruturais”, analisa o deputado Osvaldo Martinez, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Parlamento e diretor do Centro de Investigações da Economia Mundial. “Precisamos atrair mais capital internacional, expandir o trabalho por conta própria, reduzir os gastos estatais com custeio e melhorar a eficiência econômica.”

Um dos principais formuladores das reformas emergenciais dos anos 1990, Martinez não hesita em contestar alguns dogmas do passado: “O pleno emprego não é suportável pela economia estatal”, afirma. Essa crença levou Raúl Castro a planejar o corte de até um milhão de empregos públicos, paulatinamente absorvidos nas atividades privadas que estão sendo liberadas. “Não estamos fazendo uma terapia de choque, mas temos que cortar todas as gorduras possíveis”, insiste Martinez. “O que precisamos é melhorar a qualidade orçamentária do Estado e das empresas, para aumentar a poupança interna e os investimentos necessários para alavancar nossa economia.”

A liberação de centenas de atividades pa ra exploração de empreendedores privados, que já ultrapassam os 500 mil registros, segundo o Ministério do Trabalho, vai além de um mecanismo compensatório para os cortes de pessoal nas instituições estatais ou de uma ferramenta para ampliar a oferta de serviços. “Precisamos fortalecer o mercado interno, fundamental para a diversificação de nossa produção industrial”, aponta Martinez. “O empreendedorismo é um fator permanente nessa estratégia, um instrumento facilitador do socialismo.”

Foco das reformas

O pacote de medidas ultrapassa, e muito, a reforma do sistema de trabalho. Mais terras foram entregues a camponeses, com liberdade para explorá-las individualmente ou de forma cooperativa. Atualmente cerca de 50% dos alimentos consumidos na ilha são importados. Se parte dessas compras puder ser substituída por produção interna, a economia de divisas será formidável.
Cubaencuentro.com

“O pleno emprego não é suportável pela economia estatal”, diz Osvaldo Martinez (d), um dos principais nomes em Cuba

Restabeleceu-se o direito de compra e venda de imóveis, ainda que tenham sido mantidas regulamentações que impedem a concentração da propriedade urbana. Também foram abolidas limitações para aquisição de carros, celulares, computadores e outros produtos eletroeletrônicos, bem como proibições para que os cubanos possam se hospedar em hotéis pagos em peso conversível. “Eram medidas administrativas destinadas a controlar a desigualdade social, provocada pela existência de duas moedas. Algo como, se não podem todos, não pode ninguém”, explica Martinez. “Viraram obstáculos para a expansão econômica e o incentivo ao trabalho, por isso foram extintas.”

As empresas estatais e mistas igualmente estão abrangidas pelos ajustes. Sua autonomia foi ampliada, mas progressivamente irão perdendo subsídios e terão que se virar com as próprias pernas. Se derem prejuízo, poderão ser fechadas ou incorporadas por outras mais rentáveis. “O Estado continuará a ser o ente planificador e regulador”, salienta o professor Joaquin Infante Ugarte, diretor do Orçamento Nacional entre 1976-1991 e colaborador de Ernesto Che Guevara quando o argentino presidiu o Banco Central cubano. “Mas estamos substituindo os mecanismos administrativos pelos econômico-financeiros. Se uma determinada empresa não conquistar mercado, não demonstrar eficiência e não obtiver rentabilidade, deixará de existir.”

Outro objetivo das reformas é cr iar um sistema tributário equilibrado, que impeça a excessiva concentração de renda através de impostos progressivos sobre a renda e a propriedade, ao mesmo tempo em que amplia a base de arrecadação. “Os cubanos passaram a achar que era parte das conquistas da revolução não pagar impostos”, ironiza Martinez.

Os novos empreendedores, muitos deles antes trabalhando ilegalmente, agora terão que pagar taxas para licenciar suas empresas e impostos conforme a envergadura de suas atividades. Há bastante choro e ranger de dentes, mas o fato é que a nova época não oferece delícias sem dores. “Nossa revolução foi muito paternalista”, afirma Infante Ugarte. “Não podemos confundir igualdade de direitos e oportunidades com igualitarismo. Mas também tem o outro lado: quem g anha mais pagará mais impostos.”
Yenni Muoña/Opera Mundi

O chaveiro é outro exemplo de "contrapropista", os trabalhadores autônomos

O ovo de Colombo, no caso, é limpar as contas do Estado de custos improdutivos e engordá-las com receita tributária, rentabilidade de suas empresas e substituição de importações. O fortalecimento dos fundos públicos, em aliança com a integração regional e a atração de investimentos estrangeiros, parece ser a aposta do governo cubano para preservar o padrão de Educação, Saúde e Cultura construído pela revolução. “Nossa economia precisa criar as condições para pagar as contas das conquistas sociais e abrir novos caminhos para a juventude”, ressalta Martinez. “A atração da poupança externa não pode ser o eixo de nosso modelo de desenvolvimento, mas um complemento.”

Diversificação

Mais que tudo, Cuba precisa criar empresas e empregos que tragam prosperidade a uma das populações mais bem educadas e preparadas do mundo. Nos últimos anos, além do Turismo, o país ampliou a produção de níquel (detém 34% das reservas mundiais), tabaco e fármacos. Aliás, a biotecnologia está se tornando um nicho no qual os cubanos adquirem cada vez mais força e prestígio, com exportações para mais de 30 países, apesar do bloqueio. Mas ainda é pouco para garantir sustentabilidade.

O desequilíbrio entre formação de mão-de-obra e ofertas internas de trabalho tem levado o país, por exemplo, a ter na exportação de serviços médicos uma de suas maiores rubricas comerciais. Apesar de ser um fator positivo para o balanço de pagamentos, esse cenário pode vir a afetar a qualidade interna do atendimento à população e estimular a atração de seus profissionais pelas esperanças migratórias.

Por essas e outras, as reformas lideradas pelo presidente Raúl Castro são encaradas como um esforço de guerra cuja meta é criar as condições para a ilha viver em um espaço econômico integrado, mas por conta própria e sem abdicar do sistema esculpido desde janeiro de 1959. “Nossa batalha, a batalha da geração que fez a revolução, é defender o socialismo cubano e levá-lo ao futuro”, afirma Ricardo Alarcón. “Para essa tarefa, precisamos entender qual o socialismo possível, capaz de trazer desenvolvimento e prosperidade para as novas gerações. Não temos medo de criticar nossos próprios erros, pois não há outra forma de construir um projeto histórico de nação.”


Primeiro ciclo de reformas econômicas em Cuba
começou nos anos 1990
Medidas adotadas buscavam atrair divisas através do turismo e da abertura para o capital estrangeiro
Logo nos primeiros anos após o colapso da União Soviética, em dezembro de 1991, algumas medidas centrais foram adotadas pelo governo cubano para resolver o descalabro econômico e resolver o gargalo de abastecimento, que dependia da obtenção de divisas para importação de bens e serviços.

A posse de dólares e outras moedas estrangeiras foi legalizada, bem como seu uso corrente em qualquer transação realizada na ilha, com a liberação para operações de câmbio em bancos e hotéis. As cooperativas camponesas receberam 58% das terras do Estado em usufruto gratuito, para produzir e vender livremente parte de sua produção, em mercados cuja formação de preço não era mais regida pelo poder público. O orçamento foi adequado a um plano de prioridades, com drásticos cortes que afetaram todos os setores, particularmente a burocracia estatal, mas arranharam menos as rubricas de saúde e educação.

A política monetária definiu um controle estrito dos gastos e da emissão de dinheiro. Alguns bens e serviços ficaram mais caros – principalmente os não essenciais, como cigarro e bebida. O emprego por conta própria – em pequenas firmas nas quais só podiam trabalhar familiares – ganhou estímulos. Permitiram-se restaurantes (chamados de “paladares”), carros de praça e oficinas de reparo, por exemplo, que não eram estatais. O turismo foi fixado como setor prioritário, graças às possibilidades de atrair pronta liquidez em moeda forte. Uma lei para investimento estrangeiro, aprovada em 1995, admitiu a associação do capital internacional com o Estado em diversos projetos, com exceção da educação, saúde e segurança.
Efe

Após crise causada pelo fim da União Soviética, economia cubana passou a se recuperar na década de 1990

“Não tínhamos outra saída se não criar uma economia dual”, afirma o economista Lazaro Pena, pesquisador do Centro de Investigações de Economia Internacional, vinculado à Universidade de Havana. Ou seja, “um setor tradicional, dirigido pelo plano estatal e circunscrito à moeda nacional; outro setor que opera fora do plano, de propriedade privada ou mista e que negocia em dólares”. Para organizar o câmbio, foi criada uma nova moeda, paralela à antiga, para compra e venda de divisas estrangeiras, chamada CUC, o peso conversível cubano, obrigatório em transações de estrangeiros a partir de 2004.
Impactos
Os resultados não tardaram a aparecer. O PIB (Produto Interno Bruto) de Cuba, entre 1995 e 2000, cresceu a uma média anual de 3,6% – contra 3,2% do conjunto da América Latina – e deu um salto de 6,2% em 1999, enquanto a região não passou de 0,2%.

A moeda nacional recuperou valor com a entrada massiva e o livre curso do dólar, que paulatinamente baixou a uma cotação entre 20-25 pesos, depois de chegar a 120 pesos no auge da crise. A nova taxa cambial barateou os produtos que eram vendidos nos mercados desregulados. O padrão alimentar subiu para 2,4 mil calorias diárias. O consumo geral cresceu a uma taxa anual de 4% a 6% a partir de 1995, até o início do novo século.

A dualidade econômica agrediu alguns dos postulados da revolução. Um deles foi o da igualdade social. Os cubanos com acesso a divisas e ao CUC – principalmente através do turismo e das remessas provenientes de familiares que vivem nos EUA – conquistaram poder aquisitivo superior aos demais cidadãos. Estabeleceu-se uma lógica perversa: profissionais com maior nível de formação perderam renda para carregadores de mala, vendedores de pizza e garçons. Os salários em Cuba são fixados em peso nacional, mas a possibilidade de receber uma gorjeta ou um pagamento extra em peso conversível ou moeda estrangeira faz uma enorme diferença.
Outro custo importante foi o fim do pleno emprego. Muitas fábricas e empresas fecharam durante o período especial. As autarquias do Estado tiveram que reduzir seus gastos e cortaram pessoal. Uma parte dos demitidos encontrou nova perspectiva trabalhando por conta própria no setor não estatal. Outra teve a oportunidade de uma recolocação a partir da reativação econômica. Mas passaram a existir desempregados vagando pelas ruas.
Educação e saúde

No entanto, nem mesmo as dificuldades pós-soviéticas desestruturaram os principais orgulhos da Revolução Cubana: os setores de educação e saúde. Ou sequer provocaram uma queda da classificação do país nos indicadores mundiais. Relatórios da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), sobre o padrão sanitário, continuaram a mostrar os cubanos na frente de toda a América Latina e entre os dez países mais s audáveis do planeta. O critério adotado foi a mortalidade infantil até os cinco anos de idade. Cuba apresentou oito mortes anuais para cada mil nascidos em 1999. Dez anos depois, havia caído para 4,9 – a menor de todo o continente americano, incluindo Canadá e EUA.

Cuba continuou entre os 70 países que ostentam alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), acima de 0,800. Em 2007, o IDH foi de 0,838 (51° lugar). Na América Latina, só ficou aquém do Chile (40º lugar), Uruguai (46º) e Costa Rica (48º). A nação caribenha ostenta o maior gasto mundial relativo com educação, atingindo 8,96% do PIB, seguida pela Dinamarca (8,51%) e pela Suécia (7,66%).

“Sem a revolução, não passaríamos de um Porto Rico”, declara Peña. “Se tivéssemos seguido o rumo dos russos [ou seja, caminhado para a volta do capitalismo], estaríamos pior do que o Haiti”. Os compatriotas de Fidel aparentemente aceitaram os sacrifícios do período especial para preservar uma maneira diferente de viver. Mas enfrentam situações dramáticas, algumas delas surgidas das contradições engendradas pela política de sobrevivência adotada para preservar seu sistema social.



Bloqueio dos EUA causou prejuízo de US$ 1 trilhão, diz Cuba
Casa Branca mantém embargo condenado pelas Nações Unidas em vinte assembleias anuais

Quando amanheceu o dia 7 de fevereiro de 1962, uma ordem executiva do presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy, assinada quatro dias antes, mudava drasticamente a vida dos cubanos. Como retaliação às nacionalizações de empresas norte-americanas e às crescentes relações com a União Soviética, a Casa Branca praticamente baniu vínculos comerciais com a ilha caribenha, além de proibir linhas de crédito e vários outros tipos de intercâmbio. Tinha início um dos mais duradouros e drásticos bloqueios econômicos da história moderna.
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O ato administrativo de Kennedy, do Partido Democrata, foi parte de uma escalada inaugurada com a vitória da Revolução Cubana, no dia 1º de janeiro de 1959. Pouco mais de 15 meses após o triunfo da guerrilha liderada por Fidel Castro, o presidente Dwight D. Eisenhower, republicano, havia apresentado ao Congresso uma medida que reduzia em 700 mil toneladas a importação da cana-de-açúcar cubana.
Carlos Lattuf


No dia 3 de janeiro de 1961, Washington romperia relações diplomáticas com Havana. Quatro meses depois, em abril, com Kennedy já no comando, grupos oposicionistas, com apoio da CIA, foram derrotados durante invasão de Playa Girón, no litoral cubano, em operação militar destinada a derrubar o governo de Fidel. Humilhadas e enraivecidas, as correntes anticastristas encontraram abrigo norte-americano para novas aventuras. A chave-mestra era trancar a economia cubana de todas as formas possíveis.
“Ao longo desses 50 anos, as diversas medidas do bloqueio custaram mais de um trilhão de dólares ao nosso país”, afirma ao Opera Mundi o vice-ministro de Investimento Externo e Comércio Exterior, Orlando Guillén. “Os EUA não apenas romperam unilateralmente com o comércio, mas congelaram ativos do Estado cubano e estabeleceram punições a empresas de outros países que queiram ter relações normais conosco.”
Para se ter ideia do estrago, a conta é simples de ser feita. O PIB (Produto Interno Bruto) de Cuba alcançou, em 2009, a cifra de 110 bilhões de dólares. O bloqueio promovido pela Casa Branca ceifou, no mínimo, dez dos últimos 50 anos de tudo o que o país foi capaz de produzir em mercadorias e serviços. Não é pouca coisa.
Endurecimento
Com exceção do período em que governou o democrata Jimmy Carter, essas restrições só foram mais e mais endurecidas. Sem qualquer ternura. Os EUA, que clamam pelo visto de saída para a blogueira Yoani Sánchez, desde fevereiro de 1963 limitam severamente viagens de seus cidadãos para a ilha. Carter se negou, em 1979, a manter essa regulamentação, que deve ser semestralmente renovada, porém, Ronald Reagan a restabeleceu em 1982.

Outro republicano, George Bush, sancionou em outubro de 1992 a Ata para a democracia cubana, mais conhecida como Lei Torricelli. E um democrata, Bill Clinton, pôs sua assinatura, em 1996, na Ata para a liberdade cubana e a solidariedade democrática, popularmente tratada como Lei Helms-Burton. Ambas medidas ampliaram o bloqueio.
Filiais estrangeiras de empresas norte-americanas foram proibidas de comercializar com Cuba. Navios que passassem por seus portos, de qualquer bandeira, teriam que aguardar seis meses antes de lançar âncora em território da superpotência. Bancos que dessem crédito ou fizessem operações financeiras com Havana também passaram a ser vigiados e castigados.

“Tem mais gente fiscalizando nossas contas nos EUA que as da Al Qaeda”, ironiza Guillén. “Qualquer pagamento feito a partir de uma instituição bancária com ramificação norte-americana pode provocar multas e sanções.” Esse foi o caso, por exemplo, dos bancos Credit Suisse e UBS, processados em centenas de milhões de dólares, durante 2003 e 2004, por realizar transações que aparentemente violavam as leis do bloqueio. Uma das operações punidas foi a transferência de recursos do Fundo Mundial de Luta contra a AIDS, a Tuberculose e a Malária.
Efe

Apesar das severas consequências sobre a economia cubana, embargo não foi capaz de enfraquecer o comunismo na ilha

A lista de restrições é infindável. Nenhuma companhia de outros países pode exportar para os EUA produtos que contenham matéria-prima cubana. Um fabricante brasileiro de geleia, por exemplo, que utilize açúcar cubano, está lascado com o embargo. Nenhuma empresa estrangeira pode vender a Cuba produtos e serviços que utilizem tecnologia norte-americana excedente a 10% de seu valor. Qualquer empresário, não importa a nacionalidade, que investir em plantas industriais ou projetos sobre os quais pairem reivindicações indenizatórias norte-americanas, está sujeito a severas represálias.
Continuidade
Quando George W. Bush ocupou o Salão Oval, entre 2001 e 2008, as proibições ficaram ainda mais draconianas, com o recrudescimento de restrições contra o turismo, os investimentos e as remessas financeiras de familiares. Quando Barak Obama assumiu, em 2009, eram grandes as esperanças de alguma mudança. Mas seu único gesto foi, até agora, retornar ao quadro pré-Bush filho, liberando viagens de cubano-americanos e eliminando limites para as doações a parentes (atualmente equivalem a 400-600 milhões de dólares anuais, dependendo da fonte calculadora). Havana também pode comprar alimentos e remédios nos Estados Unidos, em situações emergenciais, desde que pague adiantado.

No ano passado, a Assembleia Geral das Nações Unidas deliberou pela 20ª vez contra o bloqueio. Apenas Estados Unidos e Israel votaram contra, enquanto 186 nações subscreveram a decisão, com três abstenções. Mesmo empresários norte-americanos gostariam de ver abolida essa relíquia da Guerra Fria, desejosos de fazer bons negócios com Cuba. Nada disso importa na avenida Pensilvânia.
A verdade é que o papel eleitoral da comunidade de refugiados cubanos e seus descendentes, concentrada na Florida, que foi decisivo nas últimas quatro eleições presidenciais, parece subordinar os movimentos de Washington e dos pretendentes ao mais poderoso trono do planeta.
Onze presidentes depois de vitoriosa a revolução cubana e iniciado o bloqueio, a Casa Branca continua com a mesma orientação. Seu objetivo não foi alcançado, pois os comunistas continuam governando Havana. Como recompensa a tamanho sacrifício imposto ao povo cubano, os Estados Unidos talvez tenham conseguido apenas um dos mais espetaculares fracassos em política internacional no último meio século.



Transformações na agricultura são laboratório para reformas em Cuba
Cooperativas ganham espaço ao venderem diretamente o que produzem, sem agrotóxicos e com economia de energia

Duas mulheres oferecem cenouras, mangas, goiabas, mandioquinhas e temperos para quem passa na calçada. A poucos metros delas, fregueses esperam para tomar caldo de cana gelado. O bairro é Alamar, localizado a 12 quilômetros do centro de Havana. Na região, vivem mais de 100 mil cubanos e é lá que se pode ver claramente como o país busca um modelo alternativo de agricultura para driblar as dificuldades impostas pelo bloqueio norte-americano.

Tudo o que está ali foi produzido nos hectares que ficam atrás do balcão, onde há centenas de cultivos e uma série de estufas que protegem as verduras do ensolarado verão cubano. No meio do campo, um homem prepara a terra que será cultivada, usando um carro movido por dois pequenos bois. “Quem vir isso aqui vai pensar que estamos na Idade Média. Mas não, é uma escolha nossa. E é este modelo de agricultura que pode trazer mudanças”, disse Miguel Salcines Lopez, agrônomo responsável pela UBC (Unidade Básica Cooperativa) Vivero Alamar, à reportagem de Opera Mundi.
Yenni Muoña/Opera Mundi

Estufas protegem as verduras e legumes do forte soll do verão cubano. A meta é aumentar a eficiência da produção

Lopez explica que substituir os tratores movidos a óleo diesel pela força animal não é a única peculiaridade do local: a meta é aumentar a eficiência da produção, mas sem utilizar agrotóxicos ou fertilizantes. No centro da fazenda, uma casa de seis metros quadrados funciona como um laboratório para produzir pesticidas orgânicos. “Inicialmente, fomos obrigados a trabalhar assim, mas agora percebemos que é muito melhor do que trabalhar com excesso de química. Hoje trabalhamos com o mínimo e a meta é reduzir cada vez mais”, disse Lopez.

Quando a Vivero Alamar foi criada, em 1997, com apenas meio hectare e quatro trabalhadores – entre eles Lopez, a esposa e a filha – o país passava por uma grave crise econômica. Na época, havia urgência em colocar mais alimentos na mesa dos cubanos, mas já não havia mais o antigo fornecedor de insumos, a União Soviética. E não foram apenas venenos e ferramentas que desapareceram das prateleiras, mas também o combustível que movia os tratores.  A solução foi usar insetos e matéria orgânica para adubar e para fazer controle de pragas. “Cuba é uma escola de agroecologia”, disse Lopez, observando a produção que coordena.
Atualmente trabalham na cooperativa 139 agricultores. Eles têm metas ambiciosas para garantir a sustentabilidade do modelo: 2012 deve ser o último ano em que precisarão fazer importação de matéria orgânica.

Inversão de papéis

A Vivero Alamar é um exemplo que anima Ramón Frota, vice-ministro da Agricultura. Até a década de 1990, 80% da produção era realizada nas grandes fazendas estatais constituídas na década de 1960 e 20% vinha de cooperativas. Esse quadro se inverteu e as pequenas unidades se tornaram a força-motriz da agricultura cubana, respondendo por 80% da atividade. Se hoje a agricultura representa 4% do PIB (Produto Interno Bruto), a meta é situá-la entre 8% e 12% nos próximos cinco anos. “Precisamos nos livrar da importação por conta da alta dos preços dos alimentos no mercado internacional”, disse Frota a Opera Mundi.

A ilha importa quase dois bilhões de dólares anuais para alimentar sua população. A compra de alimentos no exterior atende praticamente à metade dessa demanda. Mas tem crescido a produção de leite, carne, tubérculos e hortaliças. Superando alguns dos desafios da auto-suficiência, o país consegue exportar café, tabaco, mel, cítricos e suco concentrado.

Descentralização

No VI Congresso do Partido Comunista, realizado em abril de 2011, foram reforçados os planos de aumentar a eficiência e foi definido que os rumos da agricultura devem apontar, cada vez mais, para a descentralização da produção. Nos lineamentos (documento que reúne todos os aspectos discutidos no Congresso), o governo ressalta, porém, que o Estado continuará controlando os preços.

Em 1993, no auge da crise causada pelo fim da União Soviética, algumas terras ociosas foram distribuídas para os produtores privados, os “agricultores pequenos”, como aquela onde hoje funciona a Vivero Alamar. Ao contrário do que ocorreu em outros setores da economia, as licenças não foram congeladas e as leis agrícolas passaram por uma série de modificações para estimular a migração de trabalhadores para o campo. A ideia, afirmou o então  presidente Fidel Castro, era “não faltar alimentos nos Mercados Agropecuários Estatais”.

Em 2003 e em 2008, o governo realizou novas reformas agrárias e concedeu terras ociosas àqueles que estivessem dispostos a trabalhar nelas. Além de ganhar a propriedade, o trabalhador também recebia instrumentos e insumos. Os que cultivam um dos 22 produtos que substituem as importações contam com subsídios do Estado. O compromisso assumido é vender ao Estado, mensalmente, uma cota fixa, que é estabelecida de acordo com o tamanho da terra. O agricultor pode fazer o que quiser com o excedente, desde consumir até vender em um dos mercados privados de Cuba. Hoje há, em todo o país, 1.762 unidades como a Vivero Alamar.
Yenni Muoña/Opera Mundi

As cooperativas cubanas, como a Vivero Alamar, produzem sem agrotóxicos e com economia de energia

Para evitar a criação de latifúndios, o governo estabelece que um agricultor pequeno pode ter a terra por dez anos, prorrogáveis por mais dez. O tamanho deve variar entre 26 e 40 hectares, mas é estimulado o cooperativismo entre produções vizinhas. Paga-se imposto sobre a venda e sobre o espaço usado; não é permitido vender a terra e a troca é feita somente com licença do Estado; permite-se contratar força de trabalho, mas com limites quantitativos e obedecendo a regra de que o titular da terra também seja um camponês ativo.

Resultados

Segundo o Ministério, o país pode se tornar, no prazo de um ano, auto-suficiente em arroz. Em 2007, Cuba produziu 250 mil toneladas do grão e importou 600 mil, principalmente do Vietnã e da China.

O plano contempla a recuperação de 150 mil hectares de antigos arrozais, a incorporação de mais 150 mil hectares de novas áreas e o aumento da produtividade do plantio através do fornecimento de insumos, do investimento em maquinário e irrigação e da troca de conhecimento entre as cooperativas.

De acordo com dados oficiais aos quais o Opera Mundi teve acesso, apenas nos primeiros seis meses de 2011 o governo recebeu em torno de 800 solicitações de terra. No total, há 9.666 pedidos em trâmite. Os números indicam também que a produção agropecuária de Cuba cresceu 7,2% nos primeiros noves meses de 2011 em comparação com o mesmo período do ano anterior. 


Alto nível de escolaridade afasta trabalhadores cubanos do campo
Agricultura precisa de mão-de-obra, mas enfrenta resistência e "competição" do setor turístico
Com camisa alinhada e livros em mãos, Raúl Espinosa deixa a faculdade onde trabalha e caminha pelas ruas que cercam a Universidade de Havana até chegar ao café preferido. É meio-dia e ele espera na fila com outros trabalhadores que, assim como ele, saíram para comprar o almoço. As mãos lisas e a pele morena desbotada – característica de quem vive na biblioteca – em nada remetem à profissão do pai: agricultor.

Hoje com 37 anos, Raúl conta que sempre quis estudar História, enquanto os dois irmãos viraram, respectivamente, médico e militar. Nascido na província de Pinar del Río, localizada a poucos quilômetros a oeste de Havana e tradicionalmente produtora de tabaco, Raúl foi morar na capital para estudar. Assim como ele, outros milhares de cubanos escolarizados puderam escolher entre o campo e a universidade, gerando falta de mão de obra nas plantações.

“Não houve um motivo especial, porém, eu não queria trabalhar de madrugada, ou longe da cidade. Desejava estudar e tive essa oportunidade. Por que não poderia aceitar?”, justifica-se. “Não tenho nenhum preconceito, meu pai trabalhou no campo desde antes da revolução. Passou pela reforma agrária e mecanização. Hoje as condições parecem ser melhores. Ele não teve a mesma chance”.
Yenni Muoña/Opera Mundi

Trabalhadora da cooperativa agrícola Vivero Alamar embala temperos produzidos no local

A história de Espinosa se assemelha à de Miguel Salcines Lopez, agrônomo responsável pela UBC Vivero Alamar. O pai também era agricultor do período pré-revolucionário: “Não era dos mais pobres”. Segundo ele, continuou com a mesma atividade, acompanhando a reforma agrária nos anos 1960, que estatizou todas as propriedades com mais de 67 hectares. No início da carreira na Agronomia, Lopez decidiu deixar o campo e foi trabalhar no Ministério da Agricultura. “Foram os anos mais burocráticos da minha vida, um tempo perdido”, diz. Então, optou por voltar a trabalhar diretamente com a terra e passou a administrar, junto com a família, a cooperativa.

“Trabalhar na agricultura se tornou um demérito. Mas no campo, aqui em Cuba, é preciso trabalhar duro, com inteligência e criatividade, porque já nos faltou muita coisa. É preciso ter vocação e, sobretudo, preparo”, ressalta Lopez.

Para tentar atrair os trabalhadores, a cooperativa oferece alguns estímulos. No verão, os trabalhadores cumprem uma jornada diária menor, de seis horas, e têm direito a ir ao barbeiro ou cabeleireiro sem pagar. Há também café da manhã, almoço e lanche da tarde, além de uma “boa média salarial”, que o administrador prefere não revelar.

Já Raúl, em Havana, trabalha oito horas por dia, enfrenta um ônibus lotado para ir de casa à faculdade e precisa se preocupar com as refeições que faz durante o expediente. Ainda assim, ele não pensa em deixar a biblioteca por uma cooperativa. “Talvez, mas escolheria o turismo”, admite. O historiador não está sozinho. Como ele, outros jovens querem seguir carreiras que nem sempre são conciliáveis com o trabalho no campo. Preferem atividades que ofereçam acesso ao peso conversível, como o turismo.
Cooperativa

Dos 139 trabalhadores da Vivero Alamar, 16 têm nível universitário (engenheiros agrícolas, agrônomos, veterinários, economistas), 29 são técnicos médios, 30 concluíram o ensino médio, 55 cursaram o que equivale à nona série no ensino fundamental brasileiro e nove cursaram apenas o primário.
Jesús Martinez é engenheiro agronômo, mas trabalha longe de um escritório com computador e ar-condicionado. Ele passa a maior parte do tempo de galochas sujas de barro, ferramentas na mão e chapéu para se proteger do sol. “Arranco ervas, preparo a terra, É preciso trabalhar mais para ter mais”, afirma. Já Yaquelin Valdez, 27 anos, está há três anos na Vivero Alamar, desde que deixou o emprego de administradora do Hospital Naval. “Gosto do salário, todos nos damos bem aqui. Foi uma boa mudança”, conta.

Outra estratégia para tentar atrair os trabalhadores foi instalar cooperativas dentro das cidades, como a Vivero Alamar, localizada em um bairro de Havana no qual vivem dez mil pessoas. Assim, continua fácil o acesso ao transporte, às creches, ao teatro e aos mercados.

O governo – que planeja aumentar a importância da agricultura para a economia cubana - acredita que o quadro de rejeição ao trabalho no campo pode melhorar: desde setembro de 2008, mais de 1,18 milhão de hectares de terras foram repassados a mais de 128,4 mil pessoas em pequenas parcelas arrendadas por dez anos. 



Exportações brasileiras para Cuba cresceram seis vezes desde 2003
Com abertura comercial, Brasil investe em construção civil e turismo e já é o 5º parceiro comercial da ilha
Miramar, um dos bairros mais tradicionais de Havana, local de alguns dos melhores centros comerciais da capital cubana. Uma atenciosa vendedora oferece sandálias coloridas de salto fino. “São brasileiras, de muita qualidade. Pode sentar e provar”, avisa. Atrás daquele par, há uma pilha de caixas com outros sapatos. Todos made in Brazil. Passou a ser comum encontrar, nos principais municípios do país, ampla variedade de produtos brasileiros, vendidos em pesos conversíveis.
Desde 2003, quando Lula assumiu o governo, as exportações para Cuba cresceram 5,9 vezes (ou 496%), de acordo com dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior). O Brasil se consolidou como quinto parceiro comercial da ilha, atrás apenas de Venezuela, China, Canadá e Espanha. Segundo o MRE (Ministério de Relações Exteriores), as importações de mercadorias brasileiras superaram os 600 milhões de dólares no ano passado.
Divulgação/Odebrecht

Com investimento brasileiro, Cuba reforma porto de Muriel; obra conduzida pela Odebrecht ficará pronta em 2014
Óleo de soja, milho, café e arroz lideram as exportações para Cuba. Com uma lista  menos extensa que a do parceiro, o Brasil compra basicamente charutos e materiais utilizados na medicina, como a vacina contra meningite. O valor dessas importações triplicou desde 2003.
Numa tentativa de aumentar esse fluxo, empresários dos dois países se reúnem periodicamente por meio do Grupo de Trabalho Brasil e Cuba, criado em 2008 e coordenado pela Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos).
“Para além dos contratos comerciais, a grande aposta brasileira na relação com Cuba é o turismo”, diz Maurizio Coria, da Apex-Brasil. “Trabalhamos hoje com o objetivo de desenvolver o setor turístico, trazer brasileiros para Cuba, trabalhar para que haja vôos diretos”.  No ano passado, 14 mil brasileiros visitaram a ilha, incluindo trabalhadores e turistas. A meta, segundo Coria, é chegar a 30 mil. “No Brasil, as pessoas desconhecem Cuba. Isso precisa mudar”, completa.
Empresas mistas
Quando o assunto é apostar no país caribenho, Antonio Nascimento fala com propriedade. O administrador de empresas de Bauru, interior de São Paulo, mora há dois anos em Havana e está à frente da primeira empresa brasileira a dividir capital com o governo cubano – a Brascuba, do grupo Souza Cruz.
Dezesseis anos atrás, a Souza Cruz reativou uma velha fábrica de cigarros semiabandonada, em uma região afastada do centro de Havana. A empresa aproveitou a oportunidade, aberta em 1995, por uma reforma constitucional que permitiu ao Estado promover e incentivar o investimento estrangeiro. Cuba passava a reconhecer, entre outras formas de propriedade, as empresas mistas. Pela primeira vez desde 16 de abril de 1961, quando Fidel Castro proclamou o caráter socialista da revolução, o país permitia a transmissão total ou parcial de bens estatais à iniciativa privada, inclusive estrangeiras.
Daniella Cambaúva/Opera Mundi

"Em Cuba, criar uma relação de confiança é a fórmula para o sucesso", diz Antonio Nascimento, da Souza Cruz
Para os investidores estrangeiros, era como se uma mina de ouro tivesse sido descoberta no Caribe. Em pouco mais de um ano, 285 empresas estatais e privadas, vindas de cinquenta países dos cinco continentes, já estavam instaladas em Cuba. O Canadá liderava a lista dos investidores, com 54 empresas, seguido da Espanha (40), França (35), México (29), Inglaterra (29), Venezuela (20), Itália (16) e Alemanha (11).
Nascimento aponta, além das dificuldades naturais de uma sociedade com uma empresa estatal – como a negociação de cada passo com o sócio cubano –, alguns problemas inerentes à economia local. “Para você fazer um negócio sustentável aqui é preciso mapear muito bem como será a logística, a operação, porque, por exemplo, há falta de materiais, já que estamos numa ilha que depende muito de importações”, analisa.
“Além disso”, diz, “com o embargo norte-americano, a logística de importação muda muito e é mais restritiva porque há menos barcos circulando em Cuba”. Mas o empresário se mostra otimista: dos 13 bilhões de cigarros vendidos anualmente em Cuba, a Brascuba tem 14% do volume e emprega 300 trabalhadores – 298 dos quais são cubanos. A estatal Tabacuba, dona de 50% da Brascuba, detém a maior parte do mercado: “Vim por desafio de negócio. Em Cuba, construir uma relação de confiança é a fórmula para o sucesso”.
Seguindo o rastro da Souza Cruz, outras empresas brasileiras estudam estabelecer plantas industriais no país, geralmente através da modalidade de joint-ventures com estatais cubanas. Os principais grupos interessados se concentram no setor hoteleiro e no ramo de materiais para a construção civil (especialmente cimento e vidro). 
São projetos destinados não apenas ao mercado interno, mas também para exportação às demais nações caribenhas e do resto da América Latina., o que deixa os olhos dos investidores atentos à flexibilização do bloqueio, o que poderia tornar o acesso aos consumidores norte-americanos mais fácil e barato.
“Nós não queremos exportar apenas mercadorias e serviços para Cuba”, afirma Hipólito Gaspar, diretor-geral do escritório da Apex em Havana. “Nossa intenção é trazer também capital e tecnologia, desenvolver uma política de integração da ilha com o Brasil e o Mercosul.” Vários empresários brasileiros sentem-se atraídos pela ideia. Afinal, além das questões de mercado, os cubanos têm a oferecer mão-de-obra altamente qualificada, regimes monopolistas de funcionamento e um sistema tributário extremamente simplificado. Além de algumas taxas operacionais, o único imposto relevante recai sobre o lucro das empresas.
Atualmente a vitrine da presença brasileira é a construção do porto de Mariel, executada pela baiana Odebrecht. Presente no país desde 2007, a empreiteira mantém um perfil discreto, atuando por meio de sua subsidiária COI – Companhia de Obras e Infraestrutura. O objetivo da obra é construir um terminal internacional por onde passe um milhão de contêineres por ano, a 40 quilômetros de Havana, criando um poderoso eixo de desenvolvimento industrial e comercial.
O contrato, com valor estimado em 800 milhões de dólares, foi financiado pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), que entrou com 453 milhões de dólares, com uma contrapartida de 350 milhões do governo cubano. O porto deve estar concluído em 2014.
Na semana passada, durante a primeira visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba, o grupo Odebrecht anunciou sua entrada no setor de produção de açucar, em parceria com uma estatal cubana. A companhia brasileira fará o primeiro investimento estrangeiro no setor, que foi aberto à iniciativa privada no ano passado.



Cuba vê crescimento de pequenos negócios com redução do emprego estatal
Lanchonetes, barbearias e cafés se espalham por Havana com abertura de atividades privadas 

Em frente a uma das centenas de casas que cercam a Universidade de Havana, duas mesas de lata formam um balcão improvisado que separa Simone Cruz, 27 anos, de sua nova profissão. Formada em gastronomia, ela agora é vendedora de bijuterias e acessórios para cabelo. Simone deixou há apenas três meses o trabalho de assistente em um refeitório escolar. O convite para o novo emprego veio de sua vizinha, que é dona da casa e do estabelecimento, montado há oito meses: “Trabalho um pouco mais, mas ganho mais também. Eu tive medo, mas preferi arriscar e mudar”.
Em meia hora de caminhada pelas ruas de Havana, é possível encontrar dezenas de cafés pequenos restaurantes domésticos montados na frente das casas, com um ou dois empregados. O cardápio tem cachorro-quente, pão com queijo ou refeições em cajitas ou pratos de plástico que não custam mais de dez pesos cubanos (o equivalente a 60 centavos de reais).
Yenni Muoña/Opera Mundi

Número de cubanos "conta-propistas" é cada vez maior, com incentivo do governo
Esses pequenos estabelecimentos agora serão parte importante da “atualização do modelo econômico cubano”, o mais importante processo político anunciado no país nos últimos anos, recebendo parte dos funcionários estatais que serão demitidos. É o que planeja o governo da ilha.
“É preciso apagar para sempre a noção de que Cuba é o único país do mundo onde se pode viver sem trabalhar”. Foi com essas palavras que o presidente Raúl Castro definiu um dos pilares das mudanças que foram discutidas e ratificadas no VI Congresso do Partido Comunista, realizado em abril de 2011.
Simone Cruz admite que foi um “longo e penoso processo” trocar a gastronomia – profissão para a qual estudou na universidade mais antiga do país – pela profissão de vendedora. Apesar dos riscos, contou que se sentiu motivada a apostar na mudança para juntar dinheiro. Sua meta é abrir um pequeno restaurante em sua própria casa. “Quero fazer e servir cajitas (uma espécie de marmita cubana), mas ainda preciso de capital”, afirmou.
Trabalho privado
Em meados de 2010, quando os ajustes foram mencionados pela primeira vez, ficou claro que a política trabalhista seria alterada logo na primeira fase, prevista para ser concluída em 2012. O objetivo é enxugar o excesso de funcionários da máquina estatal, aumentar a produtividade e, gradativamente, melhorar os salários em um país onde atualmente a taxa de desemprego é de 2%. Nas palavras de Raúl, “fazer com que todas as pessoas aptas se integrem ao trabalho”.
Poucos meses após o primeiro anúncio, o governo ratificava a decisão que mudaria a estrutura do emprego em Cuba: a demissão de 500 mil a um milhão de trabalhadores no setor estatal e a ampliação do trabalho privado. “Vamos flexibilizar as atividades por conta própria, ampliando as oportunidades”, afirma Carlos Mateo, vice-ministro do Trabalho e Previdência Social.
Essa possibilidade não é uma novidade. A modalidade foi introduzida nos anos 1990, durante o período especial, quando o país enfrentou a crise causada pela queda da União Soviética. Na época, foram concedidas as primeiras licenças para os trabalhadores por conta própria, os conta-propistas. Foi então que, rapidamente, apareceram nas ruas de Cuba os paladares, como foram chamados os pequenos restaurantes particulares, lanchonetes, cabeleireiros e táxis privados. Ao todo, naquele período, foram concedidas 306 mil autorizações. No fim da década, essas licenças deixaram de ser outorgadas.
Antes, a contratação de mão-de-obra só era permitida a 83 das 178 atividades que o setor privado desenvolve no país. Agora, as 178 são autorizadas. Desde outubro de 2010, 325,947 mil novas autorizações foram outorgadas. As expectativas do governo eram de atingir esse número somente no final de 2011. A área mais procurada (22% das solicitações) foi a de venda de elaboração de alimentos, seguida pela solicitação para mão-de-obra contratada em negócios particulares (17%), transporte de passageiros (6%) e aluguel de casas (3%), segundo dados governamentais.
Quase 70% dos cubanos que solicitaram licenças como autônomos estavam desvinculados do mercado de trabalho – já trabalhavam como conta-propistas na informalidade, sem ter licença concedida – e 30% correspondem a ex-empregados estatais ou aposentados.
Ricardo Alarcón, presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular, comemora esse processo. Para ele, não é necessário que o Estado administre barbearias ou venda de raspadinhas de gelo e fruta, populares durante o verão cubano. “É inútil, custoso, vai contra o orçamento do Estado e favorece a corrupção. Você precisa criar quase um ministério para fazer o que uma pessoa sozinha é capaz de fazer”, ironizou.
Os contapropistas também terão de conviver com uma novidade conhecida por poucos cubanos: pagar impostos sobre a renda e contribuir para a previdência social. Os valores anunciados variam entre 25% e 50% da renda líquida anual dos pequenos empresários. Estarão isentos aqueles que ganham menos de cinco mil pesos cubanos anuais. Foi fixado também um imposto de 10% para quem alugar a casa ou a garagem, piscina ou um quarto. Já a contribuição para a previdência deve ser de 25%, sendo que os contapropistas é que deverão arcar com os custos dos empregados contratados.
Yenni Muoña/Opera Mundi
Outra mudança está na política salarial, a começar pela diferença entre o maior e o menor salário do país, segundo Mateo. O valor mais alto é de 650 pesos, o que recebe um ministro, e o mais baixo é de 225 pesos cubanos, dos auxiliares de limpeza. “A diferença entre salários irá aumentar, para estimular a produtividade”, salientou.
Novos parâmetros
A taxa de desemprego em Cuba (2%) é um número considerado baixo para os padrões latino-americanos. No Brasil, o índice está em torno de 6%, contra  8,7% no Chile e 5,6% no México, por exemplo.  “Nunca houve desemprego em massa, a política de Estado, contra a crise, foi a de garantir o pleno emprego”, explica Mateo.
O vice-ministro reconhece o risco, agora, de aumentar o índice de desemprego no país, mas garante que a economia cubana poderá absorver grande parte dessa mão-de-obra. “O contapropismo é uma alternativa de trabalho. Os que ficarem disponíveis também poderão trabalhar na agricultura”, exemplificou.
Os trabalhadores demitidos recebem, além de um mês de salário no primeiro mês sem emprego, até 60% de seu último vencimento por outros 120 dias, dependendo da antiguidade no serviço público. A fórmula modifica a política anterior, pela qual havia um seguro de desemprego que, em alguns caso, se prolongava indefinidamente.
Para Mateo, Cuba tem enfrentado uma queda na eficiência, efeito colateral da política do pleno emprego, uma das vitrines do chamado “socialismo real”. Na regra vigente antes das reformas, um empregado sabia que, se seu desempenho não fosse satisfatório, a máxima punição seria a transferência de função. Quase 80% dos cinco milhões de trabalhadores cubanos são servidores públicos e calcula-se em um milhão a gordura nas folhas salariais do governo e suas empresas.
A possibilidade de ser demitido por razões produtivas criará uma insegurança inédita para o trabalhador cubano, admite o vice-ministro, mas deve ajudar na busca de eficácia das autarquias e companhias estatais. “Enxugar a máquina é fundamental para atingir os objetivos propostos no Congresso, entre os quais a elevação dos salários e a redução dos gastos públicos improdutivos”, destaca Mateo. “Sem a elevação da produtividade também não poderemos arcar com as despesas sociais próprias de nosso sistema.”